Síndrome de Rett

O que é a Síndrome de Rett?

O síndroma de Rett é uma doença neurológica que ocorre quase exclusivamente em crianças do sexo feminino. Após um período inicial aparentemente normal as crianças afectadas desenvolvem microcefalia com regressão do desenvolvimento e alterações neurológicas e comportamentais características.  

Foi pela primeira vez descrita em 1966, pelo Dr. Andreas Rett de Viena, Áustria, numa publicação médica alemã. Devido à circulação relativamente pequena deste primeiro artigo a maior parte dos médicos só teve conhecimento desta doença, quando uma revista dedicada ao Síndroma, escrita pelo Dr. Bengt Hagbert da Suécia e colegas entre os quais a Dr.ª Karin Dias de Portugal, foi impressa em 1983 num jornal de neurologia de grande difusão escrito em língua inglesa.  Este artigo apresentava relatórios de 35 casos.

Documentação clínica posterior e novos dados bioquímicos, fisiológicos e genéticos foram apresentados numa conferência sobre o Síndroma de Rett realizada em Viena em Setembro de 1984. Em Janeiro de 1985, o Dr. Andreas Rett, visitou o Instituto John Kennedy de crianças deficientes em Baltimore, Maryland para a primeira conferência realizada nos E.U.A..

Enquanto ali esteve examinou 42 raparigas que tinham sido diagnosticadas como tendo potencialmente o Síndroma de Rett. 

Esta reunião conduziu a uma consciencialização mais desenvolvida sobre o Síndroma e as suas manifestações nos E.U.A.. Deste maior contacto com o Síndroma resultou uma melhor possibilidade de diagnóstico. Enquanto o Dr. Rett foi o primeiro a descrever o Síndroma de Rett a perturbação foi reconhecida independentemente em outras partes do Mundo. 

Os sintomas desta patologia são os mais variados e podem ser, inicialmente, confundidos com outras patologias neurológicas, como o autismo. As raparigas que sofrem desta doença nascem sem qualquer sinal aparente de anormalidade e parecem desenvolver-se normalmente entre os 6 e os 18 meses de vida. 

Subitamente, porém, estagnam na sua evolução e começam a apresentar sinais de regressão física e neurológica. É nesta fase que começa a surgir um quadro sintomático particular. Os bebés começam a perder a capacidade de usar as mãos, mostram ter problemas de equilíbrio, deixam de falar, podem perder a marcha, ficam mentalmente diminuídos e demonstram sérios problemas de relacionamento com os outros, evitando, por exemplo, o contacto visual. A estereotipia mais característica do síndroma é, no entanto, a que se assemelha a um constante esfregar de mãos e que é o sintoma mais comum. A maior parte destas crianças tem uma esperança média de vida diminuída e morre antes de atingir a idade adulta, apesar de haver casos conhecidos de doentes que chegam aos 50 anos.


Características


A Síndrome de Rett afecta quase exclusivamente as meninas, causando um comprometimento progressivo das funções motora e intelectual, assim como distúrbios de comportamento. O diagnóstico precoce é fundamental e imperativo para o tratamento.








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Principais sintomas da Síndrome de Rett

     *    Regressão na comunicação e no desenvolvimento social, frequentemente considerado semelhante ao autista.




*      Pequena capacidade para gatinhar.

*      Perda das capacidades manuais, anteriormente adquiridas.

*      Lavar das mãos repetitivo, torcer as mãos, bater as palmas, morder as mãos e outros movimentos estereotipados que se tornam constantes.

*      Diminuição do ritmo de crescimento da cabeça à medida que a idade aumenta.

*      Falta de firmeza no andar, andar com uma base larga, com as pernas rígidas e ás vezes caminhar nas pontas dos dedos dos pés. (Apenas aproximadamente metade das raparigas com 
      esta Síndroma são capazes de caminhar em alguma fase da sua vida).

*      Atraso mental profundo.

*      Hiperventilacão e/ou paragens respiratórios.

*      Ranger os dentes.

*      Fazer esgares.

*      Redução da gordura e da massa muscular.

*      Balouçar o tronco, que muitas vezes envolve os membros, particularmente quando a rapariga está aborrecida.

*      Fraca circulação das extremidades inferiores, com os pés e as pernas muitas vezes frios, com   um vermelho azulado.

*      Espasticidade progressiva à medida que a idade progride.

*      Mobilidade diminuída com a idade.

*      Deformação da coluna (escoliose).

*      Prisão de ventre.

*      Manifestações epilépticas, (que podem começar em qualquer idade).

*      Diminuição das características autistas, com a idade.

Nem todas as raparigas apresentam todos estes sintomas. O Neurologista Pediatra, ou o Pediatra do desenvolvimento deve ser consultado, a fim de confirmar o diagnóstico clínico.



Causas da Síndrome de Rett

A etiologia do Síndroma de Rett permaneceu desconhecida até 1999. A ocorrência no sexo feminino sugeria uma base Genética, nomeadamente uma mutação dominante no cromossoma X com efeito letal no sexo masculino. Neste contexto o facto da maioria dos casos serem esporádicos, sem outros familiares afectados, seria compatível com o aparecimento de neo-mutações. Em 1998 os estudos de ligação génica envolvendo os raros casos familiares de síndroma de Rett sugeriram a presença de um locus na região Xq28 (4). A pesquisa de mutações em vários genes candidatos culminou na descoberta recente de mutações no gene MECP2 em várias crianças com síndroma de Rett

O gene MECP2 codifica a proteína MeCP2 («methyl CpG binding protein 2») que tem função de inactivação de outros genes através de mecanismos de repressão da transcrição envolvendo a ligação a regiões CpG metiladas. O síndroma de Rett resultará provavelmente de uma expressão excessiva de alguns genes que habitualmente se encontram silenciados. A identificação e a avaliação da expressão dos possíveis genes alvo da proteína MeCP2, nomeadamente ao nível do sistema nervoso central, poderão, no futuro, vir a permitir uma melhor elucidação dos mecanismos patogénicos do síndroma de Rett. Uma outra possibilidade é a de desenvolver uma terapêutica que permita normalizar a regulação dos genes afectados.

Um estudo recente identificou mutações no gene MECP2 em 80% dos casos de síndroma de Rett clássico (esporádicos ou familiares) e em 20% dos casos com características sugestivas deste diagnóstico. Neste grupo de doentes, a gravidade clínica parece correlacionar-se com o tipo de mutação. Uma outra casuística identificou mutações em 45% dos casos esporádicos mas em nenhum dos casos familiares estudados. Assim, as mutações no gene MECP2 representam uma proporção importante dos casos de síndroma de Rett mas existirão provavelmente outros factores ainda não identificados na etiologia desta doença. Por outro lado foi demonstrada a presença de mutações no gene MECP2 em familiares de doentes com síndroma de Rett (dois do sexo feminino, uma com perturbações neurológicas discretas e um do sexo masculino com encefalopatia congénita). Estes dados sugerem que as mutações no gene MECP2 não se limitem ao síndroma de Rett e possam ser a causa de situações com um espectro fenotípico mais alargado

No momento actual, a descoberta de mutações no gene MECP2 responsáveis pela doença permite a sua utilização como método eficaz de confirmação precoce da doença, o estabelecimento do prognóstico e a previsão de um baixo risco de recorrência em irmãos de casos isolados (99,5% dos casos são esporádicos), o que dificilmente poderá ser garantido se houver incerteza ou ausência de diagnóstico, e ainda a sua aplicação ao diagnóstico pré-natal. No futuro, atendendo às características do síndroma de Rett, nomeadamente à existência de um intervalo livre assintomático, será possível admitir a esperança de que os progressos na compreensão da doença possam culminar no desenvolvimento de intervenções terapêuticas pré-sintomáticas eficazes. 




Estados evolutivos clínicos


1ª fase
*      Inicio: de 6 a 18 meses.
*      Duração: meses.
*      Atraso do desenvolvimento psicomotor e do crescimento cefálico.
*      Diminuição do interesse para o jogo.

 2ª fase

*      Inicio: de 1 a 3 anos.
*      Duração: desde algumas semanas para meses.
*      Fase de regressão rápida, deterioramento do comportamento, com perda do uso voluntário das mãos, e o aparecimento de estereotipos.
*      Crises convulsivas.
*      Manifestações autistas e perda do idioma.
*      Comportamento Autoestimulante, insónia e motricidade desajeitada. 

3ª fase
*      Inicio: de 2 a 10 anos.
*      Duração: De meses para anos.
*      Fase de Estabilização Aparente.
*      Atraso mental severo.
*      Regressão das características autistas, com uma melhoria do contacto.
*      Crises convulsivas.
*      Características manuais estereotipadas: lavar de mãos.
*      Espasticidade, ataxia apraxia.
*      Disfunções respiratórias.

4ª fase
*      Inicio: Depois dos 10 anos.
*      Duração: anos, décadas.
*      Deterioração motora tardia.
*      Perda da capacidade motora.
*      Escolioses, atrofias musculares, rigidez.
*      Síndrome piramidal e extrapiramidal marcados.
*      Redução da velocidade de crescimento com ausência de idioma.
*      Melhora do contacto visual.
*      Crises convulsivas menos severas.
*      Alterações tróficas.




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Quadro I

Critérios necessários de síndroma de Rett 

1
Período pré e perinatal aparentemente normal
2
Desenvolvimento psicomotor aparentemente normal nos primeiros seis meses
3
perímetro cefálico normal ao nascimento
4
Desaceleração do crescimento do crânio entre os 5 meses e os 4 anos
5
Perda de capacidade na motricidade manual intencional entre os 6-30 meses associada a  disfunção da comunicação e sociabilidade
6
Instalação de limitação severa da linguagem expressiva e receptiva com atraso de desenvolvimento psicomotor grave
7
Movimentos estereotipados das mãos após a perda da motricidade intencional
8
Apraxia/ataxia do tronco e da marcha entre 1-4 anos
9
Diagnóstico definitivo após os 2-5 anos de idade


Quadro II





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Discussão
O diagnóstico clinico do Síndroma de Rett não é linear. Os critérios de diagnóstico clássicos são bastante característicos mas exigentes (quadros I e II). A natureza evolutiva da doença dificulta o estabelecimento precoce do diagnóstico que habitualmente não é possível antes dos 2-5 anos. 
Tem-se admitido alguma variabilidade clínica da doença e a existência de formas atípicas que chegam a representar 25 a 34% dos casos pelo que têm sido propostos critérios de diagnóstico menos restritivos, Os critérios clássicos que sustentam normalidade ao nascimento e nos primeiros meses de vida têm suscitado particular contestação, havendo evidências de que, em alguns doentes, possam existir já algumas anomalias no período neonatal. No sexo masculino foram descritos pelo menos 10 casos, embora a maioria não cumprisse todos os critérios clássicos.
Existe alguma sobreposição clínica com outras entidades, nomeadamente com a paralisia cerebral na fase mais precoce da doença, na fase regressiva com o autismo e também com o síndroma de Angelman e várias outras doenças neurodegenerativas e metabólicas, entre as quais duas raras doenças autossómicas recessivas particularmente prevalentes no norte da Europa: uma lipofuscinose (lipofuscinose neuronal infantil) e uma doença do armazenamento do ácido siálico (doença de Salla). 
Estudos neuroquímicos e anatomopatológicos cerebrais sugeriram a existência de uma interrupção da normal maturação do sistema nervoso central no síndroma de Rett. Contudo, as múltiplas investigações foram infrutíferas na identificação de técnicas que possibilitassem uma confirmação segura do diagnóstico. A descoberta de um gene responsável veio proporcionar o primeiro marcador biológico relevante na confirmação do diagnóstico do síndroma de Rett.

Tratamento
Até agora não foi descoberto qualquer medicamento capaz de melhorar com sucesso os sintomas do Síndroma de Rett, a não ser medicação para controlo da mobilidade e para o controlo das convulsões. 

Recomenda-se uma terapia física o mais precoce e intensa possível para prevenir: escolioses, rigidez, pé equino, etc.; e favorecer a mobilidade.  A t
erapia através da música tem sido usada na Europa desde 1972 com sucesso aparente e pensa-se que será benéfica para reduzir os movimentos compulsivos das mãos e para aumentar a capacidade de atenção. 
Em algumas raparigas, têm sido usados vários aparelhos ortopédicos, como suspensórios, funda, etc., usam-se às vezes para tratar os "pés de bailarina", a escoliose e o juntar de mãos, para reduzir a tendência para caminhar na ponta dos pés, as mãos fechadas. Tais aparelhos deviam ser recomendados pelo fisioterapeuta ou terapeuta ocupacional em contacto com o médico assistente. 
Também se verifica que dão alguma ajuda a massagem subaquática e a hidroterapia. 
A Hipoterapia e o contacto com golfinhos também tem apresentado alguns resultados nos comportamentos autistas. 
Prestar atenção à higiene bucal é importante para evitar cáries que, a surgirem, levariam a birras e mal estar difíceis de perceber. 
Para obter os melhores resultados é necessário a Regularidade fazer parte da vida normal da menina, tendo em conta que a Firmeza como o Afecto são necessárias. 
Acredita-se que é benéfico reduzir os estereótipos manuais e aumentar a atenção da menina e a procura de contacto visual. É importante favorecer a marcha e todo o movimento voluntário, como também insistir sobre a importância de exercícios de reeducação funcional que permitam limitar as deformações, manter ao máximo possível a independência e potenciarem todas as suas possibilidades, procurando adquirir "Qualidade de Vida ".













Saiba mais sobre a Síndrome de Rett:



Fontes e Bibliografia


Online Mendelian Inheritance in Man, OMIMTM. Center for medical genetics, Johns Hopkins University, BaltimoreMD, MIM number: #312750. World Wide Web URL: http://www3.ncbi.nlm.nih.gov/omim/.

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